Na minha barriga mando eu
Como resistir ao irresistível?
Pão, vinho, azeitonas, queijo, a lista podia continuar.
Cada um de nós é ele próprio e a sua circunstância, a minha circunstância é ter nascido numa cultura judaico-cristã, mediterrânica, as missas na infância, o pão e o vinho como parte do sagrado, este é o meu corpo, comei, este é meu sangue, bebei; bem podem agora dizer-me que comer pão e beber vinho é comer glúten com sulfitos, a criança que fui não quer saber, não foi isso que aprendi com três ou quatro anos e Jesus nunca falou de sulfitos, nem de glúten.
Outra coisa muito judaico-cristã, a culpa (e a desculpa).
Sinto-me culpado pela minha barriga?
Sim.
Gostaria de ter o mesmo corpo que tinha aos 18, 19 anos quando andava, feito maluco, a correr pela Tapada de Mafra com uma G3 às costas e um caderno no bolso da perna esquerda das calças onde ia apontando o armamento do "Pacto de Varsóvia" e a distância a que uma G3 podia abater um avião russo ou da Alemanha democrática; o Muro cairia pouco depois e junto à minha perna esquerda acumularam-se linhas e linhas de conhecimento inútil.
O corpo é como o tempo, não volta para trás, podemos enxertar cabelo ou passarmos manhãs inteiras pendurados em cordas tipo Tarzões de calções de lycra que não voltamos a ter dezoito anos.
Deixem-me então (cá está a desculpa) com o meu pouco cabelo, a minha barriga (que já foi maior) que eu vou continuar a fazer como o Malhão, Malhão... "comer e beber, passear na rua".